25.3.03

"Mas louvemos o maremoto e o terremoto pelos que eles têm de fundamentalmente pânico, pela sua cega, dramática, purificadora intervenção na vida cotidiana, pela sua lição de humanidade e fatalidade. Talvez seja bom que os homens não se sintam muito seguros sobre a terra, (...) que há diabos loucos no fundo do chão e que eles podem promover terríveis anarquias. A natureza tem outros meios de advertência, como o raio e a tromba d'água, mas são os demônios do céu que nos atacam. E o homem é fundamentalmente um homem da terra, é na terra que ele se abriga e confia, apenas se move no céu e na água, na terra é que está o seu porto e seu pouso. Ele pisa a terra com soberba inconsciente, seguro dela e de si mesmo; só o terremoto consegue lembrar-lhe de maneira fundamental sua condição precária e vã e o faz sentir-se sem base e sem abrigo.

(...)

Houve um tempo em que Deus bastava para tornar humilde o poderoso; hoje seus pesadelos são apenas o comunismo, o enfarte e o câncer, mas ele já se acostumou a pensar que essas coisas só acontecem aos outros. O terremoto ameaça a terra com seus bens, e a própria vida; sua ocorrência só pode tornar as pessoas mais amantes da vida e mais conscientes de sua espantosa fragilidade. E isso faz bem."
Terremoto
Rubem Braga





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