22.12.02
TRECHOS DE ALGUNS LIVROS QUE EU LI ESTE ANO (PARTE V)
"(...) Os objetos só têm sentido quando têm sentido, fora disso... Eles precisam ser olhados, manuseados. Como nós. Se ninguém em ama, viro uma coisa ainda mais triste do que essas, porque ando, falo, indo e vindo como uma sombra, vazio, vazio. É o peso de papel sem papel, o cinzeiro sem cinza, o anjo sem anjo, fico aquela adaga ali fora do peito. Para que serve uma adaga fora do peito? (...)
Do conto Os objetos
"Não queria suar, não queria mas o suor medonho não parava de escorrer manchando a camisa de amarelo com uma borda esverdinhada, suor de bicho venenoso, traiçoeiro, malsão. Enxugava depressa a testa, o pescoço, tentan num último esforço salvar ao menos a camisa. (...) Era um menino ainda mas houve um dia em que quis morrer para não transpirar mais."
Do conto Verde lagarto amarelo
"'Rodolfo, não faça seu irmãozinho chorar, não quero que ele fique triste!' Para que ele não ficasse triste, só eu soube que ela ia morrer. (...) Com os olhos cozidos de tanto chorar, ajoelhei-me e fingindo arrumar-lhe o travesseiro, pousei a cabeça ao alcance de sua mão, ah, se me tocasse com um pouco de amor. Mas ela só via o broche, um caco de vidro que Eduardo achou no quintal e enrolou em fiozinhos de arame formando um casulo. 'Mamãezinha querida, eu que fiz pra você!' Ela beijou o broche. E o arame ficou sendo prata e o caco de garrafa esmeralda. Foi o broche que lhe fechou a gola do vestido. Quando me despedi, apertei sua mão gelada contra a minha boca, e eu, mamãe, e eu?... (...)
Idem.
"Talvez seja melhor sofrer a morte de qualquer jeito, porque deve estar escrito. Ou é melhor brigar com tudo e acabar com tudo. Morrer é como dormir e dormindo é quando a gente termina as consumições, por isso é que a gente quer sempre dormir. Só que dormir pode dar sonhor e aí fica tudo no mesmo. Por isso é que é melhor morrer, porque não tem sonhos, quando a gente solta a alma e tudo finda. Porque a vida é cumprida demais e tem desastres. Quem aguenta a velhice que vai chegando, os espotismos e as ordens falsas, a dor de corno, as demoras em tudo, as coisas que não se entende e a ingratidão quando a gente não merece, se a gente mesmo pode despachar, até com uma faca? Quem é que agüenta esse peso, nessa vida que só dá suor e briga? Quem agüenta é quem tem medo da morte, porque de lá nenhum viajante voltou e isso é que enfraquece a vontade de morrer. E aí a gente vai suportando as coisas ruins, só pra não experimentar outras, que a gente não conhece ainda."
Antes do baile verde,
de Lygia Fagundes Telles
de Lygia Fagundes Telles
"(...) Os objetos só têm sentido quando têm sentido, fora disso... Eles precisam ser olhados, manuseados. Como nós. Se ninguém em ama, viro uma coisa ainda mais triste do que essas, porque ando, falo, indo e vindo como uma sombra, vazio, vazio. É o peso de papel sem papel, o cinzeiro sem cinza, o anjo sem anjo, fico aquela adaga ali fora do peito. Para que serve uma adaga fora do peito? (...)
Do conto Os objetos
* * *
"Não queria suar, não queria mas o suor medonho não parava de escorrer manchando a camisa de amarelo com uma borda esverdinhada, suor de bicho venenoso, traiçoeiro, malsão. Enxugava depressa a testa, o pescoço, tentan num último esforço salvar ao menos a camisa. (...) Era um menino ainda mas houve um dia em que quis morrer para não transpirar mais."
Do conto Verde lagarto amarelo
* * *
"'Rodolfo, não faça seu irmãozinho chorar, não quero que ele fique triste!' Para que ele não ficasse triste, só eu soube que ela ia morrer. (...) Com os olhos cozidos de tanto chorar, ajoelhei-me e fingindo arrumar-lhe o travesseiro, pousei a cabeça ao alcance de sua mão, ah, se me tocasse com um pouco de amor. Mas ela só via o broche, um caco de vidro que Eduardo achou no quintal e enrolou em fiozinhos de arame formando um casulo. 'Mamãezinha querida, eu que fiz pra você!' Ela beijou o broche. E o arame ficou sendo prata e o caco de garrafa esmeralda. Foi o broche que lhe fechou a gola do vestido. Quando me despedi, apertei sua mão gelada contra a minha boca, e eu, mamãe, e eu?... (...)
Idem.
Sargento Getúlio,
de João Ubaldo Ribeiro.
de João Ubaldo Ribeiro.
"Talvez seja melhor sofrer a morte de qualquer jeito, porque deve estar escrito. Ou é melhor brigar com tudo e acabar com tudo. Morrer é como dormir e dormindo é quando a gente termina as consumições, por isso é que a gente quer sempre dormir. Só que dormir pode dar sonhor e aí fica tudo no mesmo. Por isso é que é melhor morrer, porque não tem sonhos, quando a gente solta a alma e tudo finda. Porque a vida é cumprida demais e tem desastres. Quem aguenta a velhice que vai chegando, os espotismos e as ordens falsas, a dor de corno, as demoras em tudo, as coisas que não se entende e a ingratidão quando a gente não merece, se a gente mesmo pode despachar, até com uma faca? Quem é que agüenta esse peso, nessa vida que só dá suor e briga? Quem agüenta é quem tem medo da morte, porque de lá nenhum viajante voltou e isso é que enfraquece a vontade de morrer. E aí a gente vai suportando as coisas ruins, só pra não experimentar outras, que a gente não conhece ainda."
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