4.7.02

TEXTO EDIFICANTES, AXIOMAS INVIOLÁVEIS E ASSERTIVAS IMPONENTES:

Trecho do texto "Os céticos e o ceticismo", de Ulisses Capozoli, no Observatório da Imprensa.

Segundo a forma ordinária que temos de ver as coisas, tudo o que estou vendo esteve ali durante milhares de anos antes de agora, exceto por algumas mudanças sem importância. Dentro de algum tempo, não muito, eu terei deixado de existir e estes bosques, estas rochas e este céu continuarão ali mais ou menos igual durante milhares de anos depois que eu tenha desaparecido.

O que me tirou do nada de uma maneira tão repetina, a fim de gozar, por tão pouco tempo de um espetáculo que resultou absolutamente indiferente? As condições que permitiram que eu existisse são quase tão antigas quanto as rochas que contemplo. Durante milhares de anos me precederam outros homens que se esforçaram, sofreram, engendraram filhos e outras mulheres que pariram filhos com dor. Talvez, faz cem anos, esteve, aqui mesmo, sentado, outro homem e, como eu, esteve olhando nostálgico e tocado em seu coração. Como eu, ele também havia sido engendrado por um homem e parido por uma mulher. Havia sentido penas e alegrias breves na sua vida como eu mesmo. Era alguém diferente de mim? Não era talvez eu mesmo? Em que consiste o meu eu? Que condições foram necessárias para que o concebido, desta vez, fosse eu e não outro? Que significado científico claramente inteligível pode realmente corresponder a esse "outro"? Se minha mãe tivesse vivido com outra pessoa, distinta de meu pai, e houvesse tido, com ele, um filho e meu pai tivesse feito a mesma coisa, teria eu chegado a ser eu? Ou ocorre que, por acaso vivia eu já neles, e nos pais de meus pais e assim sucessivamente, desde há milhares de anos? E inclusive, se fosse assim, por que eu não sou meu irmão, ou por que meu irmão não é eu, ou não sou eu algum de meus primos distantes? O que é que justifica que nos empenhemos tão obstinadamente em descobrir essa diferença? A diferença entre eu mesmo e os demais quando objetivamente o que há em todos é a mesma coisa?





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